Publicado em: Dezembro/2004

por Eduardo Vasconcellos


Desde que o homem habitou a terra e multiplicou-se por sua extensão uma preocupação comum e constante foi a sua subsistência. Enquanto limitou-se a pequenas comunidades tribais, o sustento esteve garantido pela atividade agrícola familiar. Havia um certo equilíbrio na sociedade rudimentar que comia aquilo que colhia. Mas quando o comércio cresceu impelido pelo lucro e pela ganância, a distância entre as camadas sociais foi acentuada, dividindo-as entre ricos e pobres. O miserável é um produto da modernidade. Mas o pobre, servo ou escravo, que vivia com dificuldade para morar e comer, era maioria na sociedade antiga. O tempo encarregou-se de exacerbar os extremos que nem o capitalismo e o comunismo conseguiram unir.

O pobre, e hoje o miserável, passaram a ser um ‘problema social’ sem solução conhecida para o poder público. Aliás, pode-se dizer que a busca por uma saída é tema recente, contido nos programas governamentais do estado moderno. Nos últimos anos os liberais criaram o estado do bem estar social, termos como inclusão social passaram a preencher os noticiários e, aqui no Brasil, o atual governo lançou o Fome Zero, prometendo três refeições diárias aos marginalizados, mas em quase dois anos de programa os resultados ainda não são notórios. Institucionalmente, mesmo nos paises mais abastados, o estado tem conseguido dissimular ou apenas esconder a pobreza, enquanto os menos desenvolvidos demonstram total impotência diante dessa mazela.

Porém, se no âmbito público o homem não tem sido bem sucedido, o mesmo não pode ser dito do privado, ou melhor, se coletivamente o estado tem sido incapaz de fazer frente à pobreza, o homem, individualmente, tem em suas mãos o poder para mudar essa situação. Para isso, basta que ele tome ciência desse poder que lhe foi confiado. Se verificarmos as orientações dadas por Moisés aos israelitas há mais de 3000 anos, encontraremos sabedoria divina e um meio do homem conservar e preservar a sua dignidade e, por que não dizer, a humanidade. O código de conduta dos livros do Pentateuco é considerado a revelação da vontade de Deus para o povo de Israel e os princípios expostos ali quando postos em prática produzem vida equilibrada e liberdade.

Um desses princípios é o do descanso sabático, que repercute em diversas áreas. Por esse princípio, para cada seis dias de trabalho, há um de descanso; para cada seis anos trabalhados na terra, há um ano de descanso para a terra. Do mesmo modo, o ano da remissão, descrito no livro de Deuteronômio 15, ensina que a cada sete anos todo credor, que emprestou ao seu próximo alguma coisa, o quite. Assim, o devedor recebe o perdão da sua dívida. Tratando-se de servo, ao sétimo ano, deverá despedi-lo forro, ou seja, livre, e “não o despedirás vazio” (v.13), mas dará uma ‘indenização’ de acordo com o que Deus te tiver abençoado. Essa lei tem um objetivo: “para que não haja pobre no meio de ti” (v.4). E deve ser colocada em prática “pois nunca cessará o pobre no meio da terra” (v.11a).

Há, no entanto, uma distinção que é feita pela lei. Tudo isso deverá ser praticado entre ti e teu irmão. “Pelo que te ordeno, dizendo: livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado e para o teu pobre na tua terra”. (v.11b)  Essa distinção visa estabelecer um diferencial entre a nação de Israel e as nações vizinhas, entre o Deus de Israel e os deuses vizinhos, ou, dito de outro modo, entre a santidade e a iniqüidade. Diferença esta que há de ser manifesta no agir individual e na prosperidade material da nação “pois por esta causa te abençoará o Senhor, teu Deus, em toda a tua obra e em tudo no que puseres a mão”. (v.10)

Outrossim, aquele que assim proceder adquire para si prosperidade espiritual também. É o que afirma Jesus: “daí esmolas do que tiverdes e eis que tudo vos será limpo”. (Lc 11:41) Percebemos melhor o sentido do texto quando o associamos ao que escreveu o profeta Isaias que a vontade de Deus é também que repartas o pão com o faminto e recolhas em casa os pobres desterrados, e, vendo o nu, o cubras e não te escondas daquele que é da tua carne, pois agindo dessa maneira romperá a tua luz como a alva e a tua cura apressadamente brotará. (Is 58:7-8) Isto é, aquele que abençoa o pobre é abençoado por Deus recebendo libertação, cura e ainda mais a promessa de que “se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita” (v.10) o Senhor também fartará a tua alma em lugares secos e fortificará os teus ossos. Esses lugares secos são os desertos, as dificuldades, as tribulações, lugares onde os espíritos imundos que tem saído do homem andam buscando repouso. (Mt 12:43) Todavia, esses espíritos não encontrarão repouso em ti.

Contudo, um esclarecimento deve ser feito sobre este assunto devido a uma controvérsia sobre a interpretação das cartas de Paulo e do livro de Tiago, irmão de Jesus. Tiago, bispo da Igreja de Jerusalém, escreveu que “a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (2:17) dando margem à crença de que caso alguém não praticasse boas obras não teria parte no Reino dos Céus. Por outro lado, o apóstolo Paulo afirma que a salvação é dom de Deus e é pela graça, por meio da fé. “Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. (Ef 2:8-9) Essa aparente controvérsia deve-se ao fato de que Paulo combatia o legalismo como via de acesso à salvação, enquanto que Tiago se voltava contra uma comunidade acomodada, que usava a justificação pela fé como pretexto para sua inércia. (ALTMANN, 1994) Uma leitura mais demorada nos mostra que o texto de Paulo afirma que somos “criados em Cristo Jesus para as boas obras” (Ef 2:10) e, se acrescentarmos a explicação de Tiago de que “pelas obras, a fé foi aperfeiçoada” (Tg 2:22), veremos que não há contradição na mensagem do evangelho: a salvação, é de Deus e, as boas obras, dos salvos que buscam a perfeição.

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Por último, as recomendações feitas por Jesus revelam que as bênçãos para aquele que pratica as boas obras são acrescentadas durante a vida terrena – “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada ocultamente, e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente” (Mt 6:4) , e até a eternidade  “fazei para vós bolsas que não se envelheçam, tesouro nos céus que nunca se acabe”. (Lc 12:33)


** O título deste artigo faz referência à mensagem propagada pela Secretaria de Ação Social do Estado de Alagoas: ‘Quem dá esmola, não dá futuro – não dê esmola’.

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