Publicado em: Abril/2006

por Eduardo Vasconcellos


Recentemente repercutiram na mídia nacional as declarações da nova colunista do matutino Folha de São Paulo, Danuza Leão, “sabatinada” em sua estreia. Boa parte das declarações referia-se ao fato da colunista possuir ou não crédito para escrever para o jornal, o que não tomará o nosso espaço neste informativo. Ao contrário, daremos cancha a sua indignação ao constatar que “os ricos de hoje só pensam em dinheiro”. Danuza não se queixa que os ricos de hoje pensem mais em dinheiro que os ricos do passado, mas sente falta de algo que os ricos do passado possuíam além do dinheiro. Não é difícil detectar essa diferença: falta-lhes a nobreza de outrora.

Fortunas construídas através do capitalismo nos últimos anos não possuem ideais nem tradição; são, por assim dizer, como fogo de palha, e não possuem o calor do braseiro aristocrático de tempos remotos e acalentado por séculos e séculos. Seus detentores podem perder tudo da noite para o dia e vice-versa. É uma verdadeira loteria. Por isso mesmo, excluindo-se o dinheiro, restam apenas eletroeletrônicos de última geração e guarda-roupas cheios de etiquetas famosas no meio de cérebros ocos, desperdiçados.

Um bom observador desse tipo de contraste foi o abolicionista Joaquim Nabuco, em suas andanças como diplomata pela Europa e pelos Estados Unidos. Admirador confesso da cultura anglo-saxônica, Nabuco achava que a monarquia parlamentar britânica era o melhor entre os regimes de governo e defendia a sua implantação no Brasil. Porém quando esteve como adido da embaixada brasileira em Washington, achou a cultura norte-americana oriunda da Inglaterra muito materialista e chegou afirmar que “não se pode dizer que este país tem ideal”. Durante a revolução industrial, enquanto descobria que a sociedade americana representava o futuro, apesar de seus habitantes serem gananciosos e seus políticos corruptos – em contrapartida ao que ocorria na Europa, também constatava no Brasil a falta de medidas sociais complementares à assinatura da Lei Áurea, especificamente, o direito à educação. Não bastava dar liberdade ao povo, havia que educá-lo, formá-lo e ensiná-lo a trabalhar.

Um século de história republicana confirmaria que o Brasil se afeiçoou mais à cultura norte-americana que a europeia, aliás, como quase todo o resto do mundo. Ainda que esta afeição muitas vezes tenha parecido imposição. Numa análise superficial, a privação de direitos básicos do povo fez crescer entre ricos e pobres um abismo quase tão intransponível como o que separa o mendigo Lázaro do homem rico na parábola bíblica. A distorção na distribuição de renda brasileira pode ser verificada, entre outros, na cobrança do imposto retido na fonte, conforme relata Oded Grajew, empresário e ex-assessor do presidente Lula, em artigo publicado na mesma Folha de São Paulo: “48% de imposto retido para quem ganha até 8 salários mínimos e 23% para quem ganha acima disso”. Esta e outras injustiças fazem com que ser rico no Brasil seja quase um crime.

Por outro lado, alheio a essas questões meridionais, o poeta americano T. S. Eliot, morto em 1965, vaticinava: “metade do mal realizado no mundo se deve às pessoas que querem sentir-se importantes”. E ricas, podemos acrescentar, porque no mundo materialista não há como ser importante sem ser rico. De certo modo, ele concorda com o primeiro bispo de Jerusalém, Tiago, para quem “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”. A ganância, cujo maior símbolo de consumo trafega nas ruas materializada no veículo que leva seu nome em latim, Mercedes, destrói qualquer ideal nobre, quando estes existem e, algumas vezes, é responsável pela ceifa de várias vidas, muito mais caras do que os ideais. Mas o código civil não prevê o crime por ambição ou cobiça. O que não significa que os achaques desencadeados por esse tipo de atitude não venham a ser confrontados e o seu autor sentenciado e punido.

É o que observamos na parábola já citada. Lázaro, um mendigo que sofreu a vida inteira privações materiais, finalmente encontrou consolo “no seio de Abraão”, para onde foi recolhido após a sua morte, enquanto o homem rico, que desfrutou de todos os bens que o mundo podia oferecer não achava conforto algum no Hades, aonde jazia. Não havia formas de modificar aquela situação depois de consumada e, por mais que o homem rico quisesse, já não podia ir para o mesmo lugar de Lázaro. É bom esclarecer que o autor da parábola, Jesus, não condena a riqueza propriamente dita, ainda que para ele o rico entrar no seio de Abraão seja equivalente a um camelo passar pelo fundo de uma agulha.

O que Jesus não perdoa é a falta de misericórdia para com os pequeninos, a falta de amor, o descaso por parte daqueles que, de posse dos bens que podem confortar o aflito e o necessitado, agem com egoísmo, prepotência e arrogância. É esse ensoberbecer do homem que tenta usurpar do Eterno a soberania sobre a criatura que provoca a ira divina. Ai do despojador que age perfidamente, pois ele receberá o mesmo mal que praticou. Jesus espera, por um lado, o exercício do juízo e da justiça, o livramento do espoliado da mão do opressor, a liberdade para o estrangeiro, para a viúva e o órfão. Por outro lado, ele se identifica com o desamparado afirmando que aquilo que é feito em favor dos pequeninos – vestes, alimento, hospedagem e tantas outras coisas, é como se fosse feito a ele mesmo. Por isso a omissão traz consigo o veredicto: culpado; ainda que esteja vestido de púrpura e de linho finíssimo, o omisso será contado como bode e separado para o tormento eterno no dia do juízo. Todo o seu dinheiro não servirá de nada para remi-lo diante do tribunal.

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Contudo, aquele que se assenta no trono para julgar é longânimo e tem como um de seus atributos a paciência, pela qual retarda o cumprimento da sua palavra esperando que todos venham a arrepender-se, a reconciliar-se durante o tempo chamado aceitável. Se há, pois, tempo para o julgamento, onde, segundo o apóstolo Paulo, a obra de cada um se manifestará quando for provada pelo fogo, esforcemo-nos para que o nosso tempo produza um edifício de ouro, prata ou pedras preciosas que, ao contrário da madeira, do feno e da palha, que perece e sofre detrimento, será purificado, permanecerá e receberá o correspondente galardão.

Assim, na parábola do rico e de Lázaro há lugar para uma terceira personalidade: para aquela que, no dizer da escritora americana Emilie Cady, “não se furta em dar o tempo, o intelecto, o amor, o dinheiro, para aquele que deles precisar, pois a lei é que a retenção faz o homem mais pobre”. E se você, atento navegador, me perguntar se a salvação é obtida através das obras que se realiza, eu responderei que Jesus, em todo o seu evangelho, ensinou que o homem deve responder à sua palavra, isto é, ele não pode ser passivo ou ficar indiferente a ela. Para Jesus, qualquer que fizer a vontade de Deus, “esse é meu irmão, minha irmã, e minha mãe”.

Portanto, bem fariam os ricos se recuperassem o conceito platônico de aristocracia, segundo seu sentido etimológico e original: governo dos melhores, onde é melhor aquele que possui a ética, a moral e a justiça mais elevada.

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