Publicado em: Dezembro/2005
por Eduardo Vasconcellos
Desde longa data e, em todo território global, a questão latifundiária é, por assim dizer, vital. Vital para o seu proprietário, para o homem colono da sua porção, que dela retira o seu sustento. Vital porque por porções maiores e menores muito sangue foi derramado, fazendo que o seu valor aumentasse e a sua posse fosse considerada um privilégio restrito a dez tantos enquanto noventa tantos a perseguisse como um objetivo de vida muitas vezes inalcançável.
Pó na essência e de fato, quando demarcada e registrada, no direito, torna-se um papel, escriturado. Mesmo assim, ela continua a mesma, pó. Se molhada, cheira diferente, para muitos um aroma agradável e inesquecível, sinônimo de um bucolismo distante da vida metropolitana. Se seca, quente, seus vapores produzem um bochorno inconfundível que recorda a aridez do sertão.
Alheia às propostas de reforma e redistribuição, ela é proprietária de recurso incontável contido em sua profundeza, somente atingível com mecanismos sofisticados de escavação e extração. Nesse particular, revela-se senhora de si em seu domínio de riquezas longamente estendido, que nunca se farta de água.
Por sua extensão, aliás, atinge-se os quatro cantos, ou as quatro extremidades do globo. Lugar onde nascem os ventos, onde, se contemplado desde as alturas, o firmamento a ela se une no horizonte. Lugar onde finda o arco, sinal de aliança de um povo escolhido que crê naquele que mediu os céus e pesou os montes e os outeiros em balanças.
Na boca do profeta, pela sua palavra, o céu é plantado e ela é fundada num recanto onde mana leite e mel, onde há novidade de vida e dela em abundância. Lá, onde o deserto é confundido, onde o ermo seco reverdece, se alegra e exulta. Lá, onde tudo é feito novo, com nova medida de justiça, e brotam fontes de águas vivas no meio dos vales. Lá, onde crescem juntas a árvore de sita, o cedro, a murta e a oliveira.
Ali, onde o orvalho repousa sobre o lírio e as suas vergônteas estendem suas raízes, prometendo ter a glória da oliveira e a fragrância suave do incenso mesclado de mirra, canela e cálamo aromático. Ali, onde finalmente floresce a erva com cana e juncos, aonde o fruto da vinha plantada servirá de refrigério e aonde os dois raminhos de oliveira vertem ouro de si. Ali, onde o homem não jaz.
Sofre dores de parto, contorce-se, dilata-se, dando lugar a terremotos, vendavais e erupções, e eis que tudo isso um dia virá à luz. É posto um caminho paralelo ao rio. E por esse caminho passarão todos aqueles que não são confundidos, remidos. Diz-se que nem os loucos errarão, pois é alameda segura para quem testemunha a verdade. Eis que agora, a prometida herança, torna-se palpável, visível como o júbilo do leão diante de sua presa ferida. Porém, ainda que se vislumbrem o gozo e a alegria eterna, ela continua prometida. E a sua posse não é dada por usucapião, nem a sua promessa pode perecer, ainda que sejam medidas as distâncias dos céus e da terra.
E se ainda não se pode ver o sol, que resplandece nos céus, não importa, porque passando o vento e purificando-a, o esplendor de ouro vem do norte. Assim, dos quatro cantos sopram os ventos, e ela se recria. Dos quatro cantos sopram os ventos, e ela se renova. Dos quatro cantos sopram os ventos, e ela toma nova forma, pura. Contudo, hão de ser renovados, céus e terra, mente e coração humanos onde não haja lembrança das coisas passadas. Mente e coração dispostos a ser transformados pela renovação do juízo, do valor e do sentimento. Dispostos a não estar conformados com este século [éon] ainda que este seja mal e longo demais.
Apresentando-se, então, em sacrifício racional, deleitável como um incenso aromático, vivo como um bem-te-vi que voeja em liberdade, a mente-céu e o coração-terra são exercitados e preparados para receber a boa semente, germinar a agradável esperança e frutificar a perfeita vontade daquele que criou todas as coisas para o seu próprio deleite, para colheita da sua bondade e ceifa do seu amor, porque, quem compreendeu o seu intento e quem foi o seu conselheiro no primeiro dia?
Eis, pois, por que a terra prometida é tema vital. Porque nela colheremos a vida eterna no último dia, porque, como foi dito, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados. Nesse dia colher-se-á um corpo espiritual, semeado em corpo animal; colher-se-á um corpo revigorado, semeado na fraqueza; colher-se-á um corpo incorruptível, semeado em corpo que perece; colher-se-á um corpo glorioso, semeado em ignomínia.
Desse modo, assim como vemos a figura terrena, almejamos aquela celestial, perfeita. Semeamos, pois, no pó imperfeito, na erva seca cujas folhas caem, para colher na perfeição do espírito cujos frutos são manifestos e cujos olhos iluminam toda a terra.
Naquele dia, as potencias dos céus serão abaladas e cairão, o firmamento será enrolado, a terra será fendida pelo meio, para o oriente e para o ocidente, e os montes serão aplainados, tudo em redor será planície, pois toda a terra se encherá do conhecimento da glória do redentor, como as águas cobrem o mar.
Aguardando então o cumprimento da promessa, procurai com zelo ser achado como posseiro de terra virgem, imaculada, irrepreensível e apta para germinar o fruto imortal sob o sol da justiça.