Publicado em: Outubro/2005
por Eduardo Vasconcellos
A importância do sal pode ser avaliada genericamente pela representatividade que esse produto assumiu no curso da história. Através dele os comandantes assalariavam seus exércitos numa época que a economia ainda não conhecia moeda. A palavra salário representa essa ilustração. Também sua presença como conservante de alimentos é quase tão remota como a própria história do homem. Mas, se na História o sal deixou o seu tempero, não foi diferente na Cultura.
Particularmente, na cultura dos hebreus, a Lei dada por Moisés ao povo segundo inspiração divina atribuiu ao sal um valor de destaque. As características do “concerto de Sal”, ou seja, da aliança de Deus com o seu povo, conforme lemos em Números 18:19, possuíam status de “estatuto perpétuo” e exprimiam através do sal o caráter de sua conservação.
O sal passou a simbolizar a conservação da aliança tanto por parte de Deus como do povo. Desse modo, a oferta de cereal que era oferecida a cada ano após a colheita (Lv 2:13) deveria conter o sal, simbolizando a preservação da aliança ou, especificamente, da oferta consagrada a Deus.
Assim, o povo absorveu a presença do sal como símbolo da imutabilidade da aliança com Deus. Anos mais tarde, quando o reino estava dividido e as tribos do norte entraram em disputa com as do sul durante o reinado de Abias em Judá, este declarou a Jeroboão, rei de Israel: “Porventura não vos convém saber que o Senhor, Deus de Israel, deu para sempre a Davi a soberania sobre Israel, a eles e a seus filhos, por um concerto de sal?” (Cr 13:5), referindo-se a promessa que Deus fizera a Davi pela palavra do profeta Natã, a qual não permitiu ao rei edificar uma casa para o Senhor, no entanto, garantiu que o seu reino seria firmado para sempre (2 Sm 7:16).
Mesmo quando distante de sua terra natal, constatamos que a presença do sal permaneceu arraigada nos rituais. Estando na Babilônia, na época do cativeiro do povo israelita, o profeta Ezequiel teve uma visão da restauração do templo que Salomão edificara. Quando descreve a restauração do altar dos holocaustos, o profeta enfatiza que sobre os animais que forem sacrificados após a purificação do altar os sacerdotes deverão “deitar sal” antes de oferecer o holocausto (Ez 43:24).
Não obstante, o sal poderia representar também esterilidade, morte ou maldição. Foi assim quando a mulher de Ló voltou-se para trás quando as cidades de Sodoma e de Gomorra estavam sendo destruídas e ficou convertida numa estátua de sal. Do mesmo modo quando Deus estabeleceu um novo concerto com o seu povo na terra de Moabe, avisou que caso o povo se desviasse para servir aos deuses das nações vizinhas, toda a sua terra seria abrasada com enxofre e sal e nada produziria (Dt 29:23). Nesse mesmo sentido, o sal passou a ser utilizado como estratégia do exército vencedor, o qual, após tomar e saquear a cidade inimiga “semeava sal” na terra para que a mesma permanecesse como terra estéril (Jz 9:45).
O sal foi também o instrumento utilizado por Eliseu para operar o milagre da purificação da cidade de Jericó. Conta o escritor do livro de Reis que Eliseu havia acabado de presenciar o arrebatamento de Elias e chegaram os moradores da cidade e lhe disseram que era boa a habitação naquele lugar, porém as águas eram más e a terra infértil. Pelo que o profeta lhes pediu sal e o derramou no manancial das águas dizendo: “Sararei estas águas; não haverá mais nelas morte nem esterilidade” (2 Rs 2:21b).
Parece que Jesus Cristo tinha em mente esta passagem das Escrituras quando disse aos seus discípulos: “Vós sois o sal da terra” logo no início do seu ministério, deixando evidente a orientação de resplandecer a sua luz diante dos homens para que estes últimos testemunhassem as suas boas obras num mundo que jaz no maligno. No entanto, observou que se o sal fosse insípido não se poderia “temperar” a terra, ou seja, esta não seria purificada ou sarada (Mt 5:13).
Finalmente, além de Jesus orientar para que o discípulo fosse sal ele mesmo, o apóstolo Paulo recomenda aos crentes colossenses que temperem a palavra com sal, com o intuito de saber responder a cada um, enfatizando também que a palavra proferida deve ser firme e não voltar a trás, isto é, que seja observada a constância tanto no agir como no falar. Portanto, conforme Jesus ensinou, “tende sal em vós mesmos, e paz uns com os outros”.