Da Redação, Eduardo Vasconcellos
Imigração de Okinawanos para o Brasil: Raízes e Impacto
Quando o navio Kasato Maru atracou no porto de Santos em 18 de junho de 1908, trazendo os primeiros 781 imigrantes japoneses para o Brasil, 325 deles eram provenientes de Okinawa. Embora o destino deles fosse os cafezais de São Paulo, com poucos anos nas fazendas começaram a surgir outras espécies de cultivo (tais como arroz, milho, feijão, cana-de-açúcar e hortaliças, plantados entre os pés de café) e, desse modo, os primeiros agricultores independentes, que passaram a praticar a agricultura por conta própria em propriedades adquiridas usando o dinheiro acumulado durante o trabalho nas fazendas.
Nos dias de hoje, a comunidade oriunda da terra do sol nascente presente no Brasil é de aproximadamente 1,5 milhão de pessoas, sendo que quase 20% de origem okinawana. Isso fez florescer a cultura okinawana de uma maneira bastante peculiar aqui no Brasil. Por exemplo, originário de um reino independente (Reino de Ryukyu) e mais aberto ao contato com outros povos do que o Japão medieval, o arquipélago de Okinawa desenvolveu sua própria língua e cultura, e aqui no Brasil a língua e a cultura do arquipélago se mantiveram vivas.
Preservação da Língua e Cultura de Okinawa no Brasil
Muitos dos imigrantes okinawanos conversam até hoje no idioma da região, o Uchinaguchi – considerado patrimônio cultural em perigo pela Unesco – e passaram a cultura para seus descendentes. Quando a cantora japonesa Megumi Gushi começou a cantar na língua original de Okinawa, foi ao Brasil que ela veio para estudar o idioma. Porém ela não foi a única a fazer essa viagem ao Brasil para entender melhor o Japão. Diversos pesquisadores do país viajam para cá para estudar a língua e a cultura okinawanas. Mesmo entre os mais velhos que preservam outras tradições, como a culinária e a religião, muitas vezes a língua foi esquecida.
Essa diferença da cultura de Okinawa com a do restante do Japão não atende somente a aspectos culturais. As diferenças políticas já tornaram o idioma proibido no Japão mais de uma vez, assim como a imigração ao Brasil desde Okinawa. Essa perseguição praticada pelo Estado e sofrida durante anos pelos habitantes da região fez com que as particularidades da cultura local – incluindo a língua – fossem minguando. Isso porque Okinawa foi anexada pelo Japão Imperial no século XIX, ficou vários anos ocupada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra, e somente foi reintegrada ao país oriental em 1972.
Desafios e Resiliência Cultural
A partir de então tem acontecido uma retomada e uma valorização da cultura, que realmente é diferente. A religião de Okinawa é distinta tanto do budismo quanto do xintoísmo que predominam no resto do Japão, mas mistura elementos de ambas as religiões. É baseada no culto aos ancestrais: isso é algo tão importante que quando uma pessoa se muda para muito longe é comum que leve junto os restos mortais da família para serem enterrados na nova localidade.
Assim como a religião, também são a dança, a música, a língua e a comida. Para os okinawanos, a comida é mais do que apenas sustento; é uma forma de nutrir o corpo e o espírito. O termo nuchigusui significa “medicina da vida”, um conceito filosófico usado para se referir à culinária e outros aspectos da vida em Okinawa. Os alimentos também são chamados de kusuimun, literalmente “remédio”, porque se acredita que uma dieta balanceada tem tanto impacto no corpo quanto os medicamentos tradicionais. O Japão estabeleceu frases para expressar gratidão antes e depois de uma refeição. Em Okinawa, as pessoas dizem kusunaibitan, ou “tornar-se remédio”, para expressar seu agradecimento após uma refeição.
Contribuições para a Longevidade e Bem-Estar
O cardápio diferente aliado à hábitos saudáveis são aspectos levados em conta para classificar Okinawa como blue zone, áreas onde a população tem uma esperança de vida muito superior à média global. Acredita-se que muitos fatores apóiam a longevidade dos okinawanos, especialmente o clima marinho subtropical das ilhas, que é quente e estável durante todo o ano, seu ambiente diversificado, algumas características naturais que exigem caminhas e subidas de ladeiras ou escadas, os hábitos alimentares saudáveis e a mentalidade nascida da cultura da ilha.
A saúde mental é uma parte essencial do bem-estar geral, e a vida nas ilhas de Okinawa parece menos estressante do que em outros lugares. Há muitas palavras que refletem a mentalidade de baixo estresse e voltada para a comunidade que prevalece em Okinawa. A frase nankuru nai sa, por exemplo, significa “as coisas vão dar certo de alguma forma”, um conceito útil para reduzir o estresse em situações difíceis.
Preservação e Promoção da Cultura Okinawana no Brasil
Boa parte dessa rica e diversificada cultura e culinária é preservada longe de Okinawa, e o Brasil, por abrigar a maior população de origem japonesa fora do Japão, viu surgir também várias associações culturais voltadas para a preservação da cultura e dos laços de amizade e fraternidade que foram formados ao longo dos anos.
A Associação Okinawa Kenjin do Brasil – AOKB foi uma das pioneiras, e nasceu não só objetivo de confraternizar e promover ajuda mútua entre os associados, mas também desenvolver uma campanha de revogação total da proibição da imigração de okinawanos ao Brasil. Hoje ela funciona com várias sedes regionais e um grande Centro Cultural Okinawa, fundado em 1971, onde abriga um museu histórico, quadras poliesportivas, jardim oriental, um lago com a representação do mapa de Okinawa, num amplo espaço em Diadema.
Além dessas organizações que se esforçam para promover e incrementar o nível cultural dos associados e colaborar diretamente para a amizade ente o Brasil e o Japão, especialmente para o estreitamento de parcerias com a província de Okinawa, outras entidades como a Aliança Cultural Brasil Japão – ACBJ se esmeram na difusão da cultura milenar japonesa, através da promoção de cursos de língua japonesa, cursos de artes japonesas e outros cursos que valorizam a cultura japonesa.
Oportunidades de Aprofundamento: Curso de Introdução à Cultura Okinawana
Nessa direção, a Aliança está com matrículas abertas para o curso de Introdução à Cultura Okinawana. O curso é uma oportunidade única para entender e apreciar a riqueza dos Estudos Okinawanos (Ryukyugaku) e se conectar com a vibrante comunidade okinawana no Brasil, que atualmente representa a maior diáspora do mundo fora do Japão e está firmemente enraizada na capital paulista. Nesta oportunidade serão exploradas as raízes profundas e ricas dessa região única, composta por 140 ilhas, das quais 34 habitadas, que já foi o próspero Reino de Ryukyu (1429-1879), verificando a influência e preservação da cultura e identidade okinawana no Brasil, através de uma oportunidade de aprofundamento histórico-cultural.
O conteúdo oferecido será ministrado pelo pesquisador associado do Nanzan Anthropological Institute e do Nanzan Institute for Religion and Culture (Nagoya, Japão), Dr. Victor Hugo Kebbe, que realizou seu doutorado em Antropologia Social (UFSCar) sobre a cultura japonesa. Kebbe declara que o principal objetivo do curso – que conta com o apoio da Fundação Kunito Miyasaka – FKM, é apontar para as diferenças culturais de Okinawa, atentando para uma identidade étnica okinawana diferente da japonesa. O curso acontece em 4 módulos (3 online e um presencial), semanalmente, nos dias 12 de abril, 19 de abril, 26 de abril (on-line), e 03 de maio (presencial), sempre das 19h às 21h.
Serviço: Maiores informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3031-5550