Publicado em: Janeiro/2010
por Eduardo Vasconcellos
A figura do sacerdote, desde a antiguidade, esteve ligada a um templo. Isto é, na maioria das culturas orientais, quando um templo era construído e inaugurado surgia a necessidade de instalar (do Hb. millu’im “encher a mão”) um guardião responsável pelas atividades de manutenção, guarda e celebração de culto em seu interior. Nesse sentido, a expressão “encher a mão” é bastante expressiva porque representa quase que literalmente o significado da ação: o sacerdote tem o templo em suas mãos, ou enche as suas mãos de coisas agradáveis a divindade. No primeiro caso, o termo expressa a responsabilidade que lhe é confiada enquanto que no segundo a expressão dá a entender que ele ministra a oferta, se encarrega de que ela cumpra o seu propósito.
Especificamente na cultura hebraica, ainda nos tempos de Moisés, o sacerdócio somente tem início a partir do surgimento do Tabernáculo no deserto. Arão foi o sacerdote eleito na ocasião e o único em toda a história de Israel a ser ungido para esse ofício recebeu de Moisés a imposição de mãos com o azeite da santa unção. Desde então, ficou determinado que a tribo de Levi seria encarregada de realizar as atividades próprias do santuário, de modo que a tradição se encarregou de nomear os sacerdotes sem nenhuma intervenção divina, desde que a escolha recaísse sobre um levita.
No entanto, em vários aspectos a vida do sacerdote era diferente a de outros membros da comunidade uma vez que ele era designado para administrar os sacrifícios e as ofertas e para mediar o concerto entre o povo e Deus. Pelas suas atribuições deveria ter uma conduta que se caracterizava pela separação dos costumes pagãos mantendo sempre um comportamento irrepreensível, tanto nos seus deveres cerimoniais quanto no seu caráter pessoal. Como consequência, entre outras coisas, deveria casar com uma mulher virgem e não se aproximar de cadáver algum para não se contaminar. Como padrão de santidade e conduta pessoal, deveria abster-se do vinho ou bebida forte, quando “entrasse na tenda da congregação” ou no “átrio interior do templo”, “para fazer diferença entre o santo e o profano e entre o imundo e o limpo”.
Ainda que não houvesse uma chamada divina para ser sacerdote, a exemplo do que acontecia com o rei ou com o profeta, quando o indivíduo era escolhido e assumia o sacerdócio era santificado pela sua conduta e, desse modo, podia ser “transferido para o domínio do sagrado, podia se mover nele sem sacrilégio, podia entrar no santuário, manejar os objetos sagrados, comer dos sacrifícios, etc.” (VAUX, 2003, p.386) e, por outro lado, junto a comunidade, exercer a função de educador, de transmissor da lei, tornando-se um verdadeiro mestre da moral e da religião. Contudo, para atender a necessidade de intercessão do povo, o sacerdote deveria lavar-se constantemente com água e usar vestes de linho brancas para simbolizar a pureza.
No transcurso dos anos, o sacerdote levita ficou responsável pelo Tabernáculo, pela Arca da Aliança e por santuários de pedras edificados em várias cidades onde se instalaram os israelitas após a conquista de Canaã até a construção do Templo em Jerusalém na época da monarquia. E mesmo antes da existência do templo de Salomão, eles já se organizavam por funções e por turnos, observando o rodízio das atividades. Entre outras, os sacerdotes deviam queimar incenso, cuidar do castiçal e da mesa dos pães da proposição, oferecer sacrifícios no altar e abençoar o povo. Além disso, também julgavam causas civis e ensinavam a lei mosaica.
É de extrema importância a atuação dos sacerdotes como mediadores da aliança entre o povo e Deus, comunicando a Sua vontade e intercedendo pelos pecados, pois foi dessa maneira que se organizou o culto na sociedade hebreia, muito mais centrado na pessoa do sacerdote do que no profeta. Se por um lado, o profeta sempre se apresentou como portador da mensagem de Deus, por outro lado, o sacerdote detinha a responsabilidade de preparar o povo para cultuar a Deus, intercedendo por ele e tornando-o santificado através dos sacrifícios. Se o pecado não era expiado, Deus não manifestava a sua presença e a sua glória.
No entanto, por diversas vezes os reis que sucederam a Davi não valorizaram a função sacerdotal e fecharam as portas do alpendre onde se reuniam para orar a Deus, apagaram as lâmpadas do castiçal que simbolizava a presença do seu Espírito, deixaram de queimar incensos e de oferecer holocaustos, ou seja, não se preocuparam em agradar a Deus e pedir perdão por seus pecados, deixando assim de reverenciá-lo. Principalmente após o reinado de Salomão e a divisão do reino de Israel em Norte e Sul, a maioria dos reis, com raras exceções, conduziu o povo à derrota social, espiritual, econômica e geográfica, chegando a ponto de ser levado a outras nações como escravos menos de 300 anos depois de seu apogeu como nação.
Providencialmente, longe de sua terra natal e dominado pelo povo caldeu, surge uma voz suave e que tange bem, como uma canção de amores. De linhagem sacerdotal, o profeta Ezequiel é levantado para fortalecer o povo escolhido que agora se encontra no cativeiro. Depois de advertir que o juízo era eminente, Ezequiel começou a profetizar a glória futura da nação israelita, com seu templo restaurado, num futuro que hoje se acerca de nós. O território conhecido como Palestina, após mais de 2000 anos de história de lutas e invasões, finalmente viu nascer um novo país em 1948, fruto de um acordo político, mas sobretudo, o cumprimento de uma promessa divina.
No texto seguinte ao da profecia sobre o ressurgimento de Israel, Ezequiel profetiza a reconstrução do templo e escreve sobre as ordenanças do novo santuário, que nessa oportunidade deverá ser instalado pelos filhos de Zadoque, por aqueles que permaneceram fiéis a Deus e não se extraviaram da sua vontade. “E a meu povo ensinarão a distinguir entre o santo e o profano e o farão discernir entre o impuro e o puro”, diz o Senhor. “E, quando houver pleito, eles julgarão, e as minhas leis e os meus estatutos, em todas as minhas solenidades, eles guardarão”. Reaparece desse modo a figura do sacerdote como guardião do templo na identidade de Zadoque, que exerceu o sacerdócio no período monárquico entre Davi e Salomão, e que não se corrompeu como Abiatar, permanecendo firme em seu propósito.
A esperança para aquele que crê é ser achado como um desses filhos, digno de guardar o santuário de Deus e ministrar a sua vontade ao povo eleito, principalmente nestes tempos difíceis em que o seu próprio corpo é templo e morada do Espírito Santo, ensinando a distinguir entre o santo e o profano e a discernir entre o puro e o impuro, por conseguinte, tendo o seu sentido exercitado para discernir entre o bem e o mal. Estes, segundo Ezequiel, terão ao Senhor por possessão, e, de acordo com o autor de Hebreus, serão considerados perfeitos. Essa profecia é para nossos dias!