Por Eduardo Vasconcellos Lambert


A crescente urgência das mudanças climáticas tem levado à exploração de soluções radicais. Uma das mais controversas é a chamada geoengenharia solar, em especial a técnica conhecida como Injeção de Aerossóis Estratosféricos (SAI, Stratospheric Aerosol Injection, em inglês). Inspirada nas erupções vulcânicas, que historicamente provocaram leves resfriamentos globais, a SAI busca simular esse efeito de forma artificial: lançando aerossóis refletivos na estratosfera para bloquear parte da radiação solar.

A ideia, proposta pela primeira vez em 1974 pelo cientista soviético Mikhail Budyko, ganhou força após a erupção do Monte Pinatubo em 1991, que reduziu temporariamente a temperatura global (Robock et al., 2008). Nos anos 2000, nomes como Paul Crutzen reacenderam o debate ao sugerirem a pesquisa mais profunda dessa técnica como “plano B” para o colapso ambiental (Crutzen, 2006).

Como funciona a SAI?

A proposta envolve liberar compostos como dióxido de enxofre (SO₂) na estratosfera por meio de aviões ou balões. Esses compostos se transformam em partículas de sulfato que refletem a luz solar de volta ao espaço. Espera-se que isso resfrie o planeta temporariamente, simulando uma sombra artificial em escala global.

Os principais compostos propostos para SAI incluem:

  • Dióxido de Enxofre (SO₂): Imita os efeitos de resfriamento de erupções vulcânicas.
  • Ácido Sulfúrico (H₂SO₄): Formado a partir da oxidação do SO₂ na atmosfera.
  • Óxido de Alumínio (Al₂O₃): Proposto por sua alta refletividade, mas com preocupações sobre impactos à saúde e ao meio ambiente.

Uma técnica que proporciona resultados duvidosos

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Simulações indicam que a SAI poderia reduzir as temperaturas globais em cerca de 1ºC se aplicada de forma constante (MacMartin et al., 2018). No entanto, os riscos são numerosos:

  • Alterar padrões de precipitação, afetando monções e colheitas em países tropicais;
  • Danificar a camada de ozônio (Tilmes et al., 2009);
  • Causar problemas respiratórios e ambientais;
  • Criar uma dependência intergeracional: se a SAI for interrompida, o planeta pode aquecer rapidamente, de forma catastrófica (Matthews & Caldeira, 2007).

A SAI comparada à outras abordagens

A  SAI não é a única técnica de geoengenharia solar. Veja como ela se compara a outras propostas:

  1. Branqueamento de Nuvens Marinhas (MCB): visa clarear nuvens sobre os oceanos com partículas de sal, refletindo luz solar. Menos invasiva, mas de alcance regional e incerta (Latham et al., 2012).
  2. Espelhos Solares Espaciais: conceitos futuristas propõem colocar refletores fora da atmosfera. Custo astronômico e desafios tecnológicos gigantescos tornam a proposta praticamente inviável hoje.
  3. Atenuação de Nuvens Cirrus: busca reduzir nuvens que retêm calor. Efeitos ainda teóricos e pouco estudados (Storelvmo et al., 2013).

Entre todas, a SAI é a mais viável tecnicamente no curto prazo — e, por isso, a mais perigosa.

Que países apóiam a SAI?

Estados Unidos, Reino Unido e Israel têm investido em estudos sobre a SAI. A startup norte-americana Make Sunsets lançou balões com SO₂ no México sem autorização, o que gerou protestos do governo mexicano. A Suécia, em 2021, cancelou um experimento com receio de impactos ambientais e falta de apoio público.

Em 2022, mais de 390 cientistas assinaram uma carta pedindo a proibição de qualquer experimento em geoengenharia solar (Call for a Global Non-Use Agreement on Solar Geoengineering, 2022). Eles argumentam que o uso unilateral da SAI pode desencadear efeitos graves em regiões que não têm qualquer controle sobre a decisão.

O dilema da regulação internacional

Não existe atualmente um tratado específico que regule ou proíba a SAI. Algumas normas se aplicam indiretamente:

A Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (CBD) impõe uma moratória sobre testes de geoengenharia, mas é não vinculante;

A Convenção ENMOD (1978) proíbe o uso de modificações ambientais para fins hostis;

O Tratado do Espaço Exterior pode interferir em projetos de espelhos solares.

O maior problema é que não existe um órgão global com autoridade para aprovar, vetar ou fiscalizar projetos de SAI. Isso abre espaço para ações unilaterais, especialmente de países ricos ou corporações privadas.

Implicações éticas e sociais

A SAI levanta sérias questões de justiça climática. Os países do Sul Global — que menos contribuíram para o aquecimento global — correm o risco de sofrer os maiores danos colaterais da tecnologia.

Além disso, há uma falácia perigosa em considerar a SAI como solução principal. Isso pode reduzir o incentivo às medidas realmente eficazes: reduzir emissões, preservar florestas e mudar a matriz energética.

As futuras gerações também serão afetadas. Uma vez iniciado o uso da SAI, é difícil parar sem provocar um rápido reaquecimento. Isso cria uma dependência técnica que compromete a soberania climática dos povos do futuro.

Em 2009, a Royal Society of London formulou três perguntas que deveriam ser respondidas para avaliar sua aplicação[1]:

  1. A geoengenharia deliberada seria antiética? Algumas técnicas de geoengenharia são mais eticamente aceitáveis ​​do que outras? Em caso afirmativo, quais e por quê?
  2. É necessário um padrão mais elevado de comprovação ou confiança para intervenções de geoengenharia do que para outras ações de mitigação?
  3. Quais são as principais considerações éticas que o desenho de uma estrutura regulatória para pesquisa ou implantação de geoengenharia precisaria levar em conta?

Por sua vez, em 2015, a National Academy of Science aprofundou a questão no seguinte sentido[2]:

  1. Quem decide se os benefícios da modificação do albedo[3] superam os riscos e quais são os critérios?
  2. Quem decide quando e de que forma a modificação do albedo será realizada?
  3. A sociedade algum dia terá conhecimento suficiente para decidir de forma responsável implementar a modificação do albedo?

Estas perguntas devem ser feitas e respondidas pela comunidade global, como locais de implantação, método de aplicação, quantidade aplicada e custo. Aqueles que tomam essas decisões também devem estar seguros da viabilidade técnica e dos efeitos colaterais que essa prática pode ter sobre o meio ambiente.

Ofuscar o Sol seria o método adequado para resfriar as desigualdades?

A geoengenharia solar revela muito mais sobre as relações de poder globais do que sobre a ciência climática. Embora embasada em modelos matemáticos sofisticados, a proposta de “escurecer o sol” carrega riscos ambientais, sociais e éticos que não podem ser ignorados, principalmente, a reversão sem consequências imprevisíveis imediatas.

Numa era em que a cooperação internacional é essencial para enfrentar desafios planetários, permitir que poucos decidam o clima de todos é caminhar rumo a uma distopia tecnocrática. Cabe à sociedade civil, à comunidade científica e aos governos democráticos exigir transparência, regulação e bom senso em questões climáticas.

Porque o futuro do planeta não pode ser decidido na sombra de uma ideia brilhante.


Referências

  • Crutzen, P. J. (2006). Albedo enhancement by stratospheric sulfur injections: A contribution to resolve a policy dilemma? Climatic Change.
  • Robock, A. et al. (2008). Benefits, risks and costs of stratospheric geoengineering. Geophysical Research Letters.
  • MacMartin, D. G. et al. (2018). The climate response to stratospheric aerosol geoengineering can be tailored using multiple injection locations. Journal of Geophysical Research: Atmospheres.
  • Tilmes, S. et al. (2009). The sensitivity of polar ozone depletion to proposed geoengineering Science.
  • Matthews, H. D. & Caldeira, K. (2007). Transient climate-carbon simulations of planetary geoengineering. PNAS.
  • Latham, J. et al. (2012). Marine cloud brightening. Philosophical Transactions of the Royal Society A.
  • Storelvmo, T. et al. (2013). Cirrus cloud thinning by geoengineering: a tool to reduce climate change? Geophysical Research Letters.
  • Call for a Global Non-Use Agreement on Solar Geoengineering. (2022). https://www.solargeoeng.org

[1] Geoengineering the Climate: Science, Governance and Uncertainty. (Royal Society of London, 2009), p. 1

[2] Climate Intervention: Reflecting Sunlight to Cool Earth (National Academies Press, 2015), pp. 47-148

[3] É uma medida da proporção da radiação solar recebida que é refletida de volta à atmosfera e para o espaço

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