Da Redação
A formação cultural da sociedade contemporânea foi moldada, ao longo das últimas décadas, pela atuação dos meios de comunicação. Desde a ascensão da imprensa escrita e, posteriormente, do rádio e da televisão, até os tempos atuais, as mídias tradicionais ocuparam posição de destaque na criação de padrões, valores e referências culturais. Este domínio, contudo, sofreu uma transformação radical com o surgimento da internet e, mais recentemente, com a explosão das redes sociais, que reformularam o fluxo de informações e o acesso a conteúdos.
Durante grande parte do século XX, a comunicação era hierárquica e centralizada. Os veículos tradicionais, como jornais impressos, rádios e redes de televisão, funcionavam como mediadores entre os fatos e a sociedade. Notícias, análises e opiniões seguiam do topo – jornalistas, editores e donos de conglomerados de mídia – para a base – o público espectador ou leitor. A influência era poderosa: além de formar a opinião pública, esses veículos moldavam as normas culturais e sociais, refletindo e legitimando as visões hegemônicas de cada época.
A partir da virada do século XXI, o cenário começou a se transformar com a massificação da internet. O processo ganhou intensidade com o advento das redes sociais, que proporcionaram acesso direto e irrestrito à informação, possibilitando que qualquer cidadão comum, munido de um smartphone, pudesse compartilhar e consumir conteúdo sem a mediação das antigas “porteiras” jornalísticas. Essa mudança de paradigma impactou profundamente a forma como a cultura é disseminada, desafiando o monopólio narrativo dos meios tradicionais.
Os efeitos dessa mudança são evidentes em diversos momentos marcantes da história recente. Em 2016, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, as redes sociais, especialmente Facebook e o X (antigo Twitter), emergiram como canais centrais de comunicação política. Estratégias de microtargeting[1], fake news e a utilização de algoritmos para direcionar conteúdos específicos ao público redefiniram as regras do jogo eleitoral. O então candidato Donald Trump, com uma comunicação direta e desafiadora do status quo midiático, capitalizou essa nova dinâmica, contrastando com a campanha mais tradicional de Hillary Clinton.
No Brasil, em 2018, as redes sociais desempenharam um papel igualmente crucial. Jair Bolsonaro, com forte presença nas plataformas digitais e um discurso que muitas vezes contrariava as narrativas estabelecidas pela grande mídia, comunicou-se diretamente com milhões de eleitores, contornando os filtros tradicionais da imprensa. A polarização, os debates acirrados e as informações virais ilustraram como as redes, com seus algoritmos imprevisíveis e segmentação precisa, podiam moldar a opinião pública e influenciar decisões políticas.
Em contraste, os meios tradicionais enfrentam uma crise de relevância. O modelo de comunicação de mão única, em que as emissoras e jornais transmitem conteúdos para um público que só os consome, sem espaço para interação ou feedback direto, já não ressoa como antes. Esse formato é percebido, sobretudo pelos mais jovens, como engessado e distante das questões reais e complexas que perpassam a sociedade. No discurso público, muitos se ressentem do que consideram um “esvaziamento” na narrativa mainstream: falas repetidas e fórmulas desgastadas que já não ecoam na multiplicidade de vozes e perspectivas possibilitada pelas redes.
A recente derrota de Kamala Harris, vista como um dos expoentes democratas dos Estados Unidos, nas eleições deste ano reforça esse ponto. A desconexão entre a narrativa dos grandes veículos e o sentimento popular, combinado com o potencial das redes sociais para destacar múltiplas percepções e questionar as narrativas estabelecidas, mostra o descompasso existente entre uma comunicação tradicional, que muitas vezes repete padrões, e a sociedade hiperconectada que busca proximidade, autenticidade e respostas rápidas.
Ao fim, é inevitável constatar que, na era digital, o papel dos meios de comunicação na formação da cultura precisa ser revisitado. As redes sociais expuseram as lacunas dos veículos tradicionais, ao mesmo tempo em que possibilitaram maior acesso à informação, ainda que de forma fragmentada e repleta de desafios. A narrativa mainstream, desacoplada dos anseios reais, se enfraquece diante da sociedade contemporânea, que busca na autenticidade e na multiplicidade das redes o reflexo das suas demandas, esperanças e conflitos.
Apesar dos desafios enfrentados, há um caminho de renovação e relevância possível para os meios de comunicação tradicionais. Ao abraçarem a transformação digital, investirem em jornalismo colaborativo e interativo, e se engajarem de forma autêntica com a sociedade, esses veículos podem recuperar a confiança do público. A criação de espaços de diálogo, o compromisso com uma informação de qualidade e o uso inteligente de novas tecnologias podem revitalizar a conexão com as novas gerações. A mídia tradicional, ao se reinventar, tem o potencial de ser um ponto de equilíbrio em um cenário dominado pela dispersão de informações, promovendo valores democráticos e o debate plural de ideias.
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[1] Microtargeting refere-se à prática de utilizar dados detalhados sobre comportamentos, interesses e características demográficas de indivíduos para segmentar e personalizar mensagens de comunicação, especialmente em campanhas políticas e de marketing, com o objetivo de maximizar o engajamento e a eficácia da mensagem.