Publicado em: Fevereiro/2009

por Eduardo Vasconcellos


Estamos no apagar das luzes de mais um Fórum Social Mundial, palco preferido das esquerdas minoritárias de países dos dois hemisférios e de grande divulgação de panfletos com loas humanistas. Embora a eficácia de eventos como esse possa ser contestada, é certo que a sua realização há mais de meia década preenche uma necessidade de expressão das reivindicações da sociedade, principalmente no que diz respeito a direitos trabalhistas e ativismo ecológico.

A cartilha modernista ensinou que o homem deve ocupar o centro do pensamento, sendo causa e consequência das suas motivações. Para que essa ideia ganhasse forma e crescesse foi necessária uma ruptura com os princípios e valores vigentes numa época que o olhar humano mirava o transcendente como aspiração segura a ser conquistado pela virtude cristã.

Desse maneira, o pensamento moderno substituiu a transcendência cristã pelo humanismo imanentista – conceito filosófico que afirma que Deus e o mundo são a mesma coisa; alguns anos depois essa ideia deu lugar a tese de que, ao invés de Deus haver criado o homem, Deus é uma criação humana. Naturalmente, este pensamento se estabelece ao deslocar os princípios espirituais e religiosos para segundo plano deixando em evidência os ideais materiais e terrenos. Nessa situação, o homem inteiramente entregue aos cuidados mundanos, primeiro se esquece das coisas transcendentes, e, depois, querendo ser coerente, nega-as.

Por outro lado, ao ser colocado como peça central do pensamento humanista moderno, o homem deve corresponder a essa expectativa tornando-se valoroso, humanamente valoroso. O bem deixa de ser um valor espiritual exercitado pela crença num princípio divino para ser um objeto de consumo almejado pelo homem ajustado a uma moral social cuja fundamentação filosófica garante que através da equidade, da igualdade entre os homens, se atribui dignidade a esse homem e se alcança finalmente a justiça.

Foi assim que pensadores como Locke, Rousseau, Montaigne e Wolf contribuíram para o surgimento e o desenvolvimento do que hoje se conhece como direitos humanos. Quando Montaigne afirmou que “todo homem traz consigo a inteira humana condição” o fez dentro do princípio de imanência (qualidade daquilo que provém ou que está contido num ser) e durante o século XVI, justamente nesse período em que o homem desenvolveu uma nova percepção sobre sua relação com o mundo.

Foram necessários mais de trezentos anos para que o homem conseguisse sintetizar esses ideais na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, sendo que já no seu artigo primeiro encontramos o postulado que Rousseau fizera duzentos anos antes: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, consoante também ao pensamento que predominou durante o século XVII na pena de John Locke. Os direitos trabalhistas somente foram sendo incorporados ao pensamento moderno a partir da revolução industrial, no século XIX.

Uma leitura rápida, mesmo que superficial, dos trinta artigos que compõem a Declaração de 1948 revela o grau de dificuldade que o homem enfrenta hoje se quiser fazer cumprir o seu próprio mandamento, a sua lei moral. No artigo 4° encontramos que “ninguém será mantido em escravidão ou servidão”, o sexto proclama que “todo ser humano será reconhecido como pessoa perante a lei”, o 7° diz que “toda pessoa deve ter acesso à justiça para reparar violação aos seus direitos” e assim por diante. Um dos mais difíceis de garantir é o 12°, que afiança que “ninguém sofrerá interferência em sua vida privada, nem ataques a sua honra e reputação”. Até chegar ao 30° encontraremos garantias ao direito de propriedade, bens de consumo, trabalho, participação social e cultural, etc.

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A primeira e principal barreira a ser superada é a da identificação dos agentes responsáveis pela efetivação dos direitos. Quem são eles: os políticos, os juristas, os filósofos, os economistas, os sociólogos? Quem são, uma vez que a sua fundamentação é indissociável dos problemas históricos, políticos, econômicos e sociais. Bobbio, por exemplo, considera que não se trata de um problema filosófico ou jurídico, mas político. Assim, sua problemática escorregou para o campo do relativismo. De acordo com o professor Marconi Pequeno, “a relatividade das experiências jurídicas, em razão da diversidade cultural, afasta a possibilidade de se dotar os princípios gerais do direito de um conteúdo comum”.

Como consequência inicial temos que a medida que aumentam os direitos civis, políticos e sociais, aumenta também a descrença acerca das possibilidades objetivas de realização dos direitos humanos. Aumentam também os questionamentos sobre o grau de utopia contida na carta dos Direitos Humanos. A satisfação completa das necessidades sociais e econômicas é realizável? O Estado é capaz de atender a todas essas demandas e libertar o ser humano do reino da necessidade?

Cada vez mais o homem se depara com a dificuldade de conquistar uma emancipação social através da concepção do “absolutismo” moral construído por ele mesmo pois, no estágio atual, isso significa romper com a ideia do liberalismo individualista que tanto o seduz e satisfaz. Esse conflito demonstra também a inabilidade do ser humano em lidar com os problemas referentes à violência e, principalmente, à prática deliberada do mal.

Uma luz pode ser lançada nesse dilema e ela provém de uma mudança de perspectiva frente a essa questão. Primeiro, ao longo desses anos o homem abordou esse assunto no âmbito coletivo por causa do princípio da igualdade. Segundo, ao colocar em foco a questão dos direitos, a escuridão pairou sobre os deveres. Desse modo, é necessário responsabilizar individualmente o agente que deverá garantir o direito que se pretende estabelecer ao mesmo tempo em que se constituem suas obrigações perante a sociedade. E esse, realmente, é o cerne da questão moral: o compromisso do indivíduo com a sociedade, com a coletividade, em prol do bem comum.

Mas esse não era o discurso cristão da Idade Média, resumido nas palavras de Cristo: “Ama a Deus acima de todas as coisas, e ao teu próximo como a ti mesmo?” Não seria melhor para o homem deixar a arrogância que o fez trilhar nesse caminho e reconhecer que somente através da prática (dever) da caridade, como mandamento divino, ele poderá efetivar os direitos humanos?

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