Eduardo Vasconcellos Lambert
Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um cenário político e social cada vez mais complexo, onde o debate sobre liberdade de expressão ganhou contornos dramáticos. Em meio a uma crise econômica que dá sinais claros de agravamento, cresce também a sensação de que a democracia brasileira está sendo colocada à prova, com liberdades individuais sendo cada vez mais suprimidas, especialmente quando se trata de manifestações que confrontam o poder vigente.
Desde a ascensão do ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, após sua condenação por corrupção ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o país tem assistido a um endurecimento nas relações entre os poderes. A retomada do poder por Lula, em janeiro de 2023, foi cercada de controvérsias, incluindo denúncias de censura durante o período eleitoral. A própria ministra do STF, Cármen Lúcia, chegou a admitir, com naturalidade preocupante, que houve restrição à liberdade de imprensa durante as eleições de 2022, o que levantou questionamentos sérios sobre a lisura do processo democrático.
Silêncio Forçado: O Avanço da Censura e o Fim da Liberdade de Expressão no Brasil
A censura hoje não é apenas uma ameaça velada. Ela se manifesta de forma concreta e direta contra parlamentares, artistas e jornalistas que ousam questionar ou criticar o regime instituído, especialmente as ações do STF e de seus ministros, liderados por Alexandre de Moraes. Outro ministro, Flávio Dino, quando ainda era Ministro da Justiça e Segurança Pública, em reunião com representantes do X (antigo Twitter), da Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), do TikTok, do Kwai, do WhatsApp, do Google e do YouTube, em 2023, afirmou categoricamente: “Esse tempo da liberdade de Expressão como um valor absoluto acabou no Brasil, tenham clareza disso”.
O caso do ex-deputado federal Daniel Silveira é emblemático: condenado e cassado por suas declarações, Silveira tornou-se um símbolo da supressão da imunidade parlamentar, um princípio constitucional que deveria garantir a liberdade de fala dos representantes do povo. Essa questão tornou-se notoriamente pessoal. O então presidente Jair Bolsonaro chegou a conceder-lhe a “graça”, uma forma de perdão prevista constitucionalmente, mas o ato foi posteriormente invalidado pelo STF, em mais uma demonstração de que nem mesmo os instrumentos legais do Poder Executivo são respeitados quando confrontam os interesses da cúpula do Judiciário. Seu caso abriu precedente para que outros parlamentares também fossem intimidados judicialmente, mesmo quando estavam apenas exercendo seu direito de fala na tribuna da Câmara.
Essa perseguição não se restringe ao Congresso Nacional. O ambiente artístico, sobretudo os comediantes do Stand Up Comedy, também sofre com o avanço da censura. Artistas como Léo Lins e outros humoristas têm sido ameaçados, perseguidos e silenciados por suas piadas, sob a justificativa de discursos de ódio. A chamada “imunidade artística” tem sido sistematicamente desconsiderada, levando muitos a recorrer à autocensura como forma de autoproteção. Em um país onde fazer piada virou risco de processo, o riso se transformou em resistência.
Os jornalistas conservadores também não escapam desse cenário preocupante. Vários nomes conhecidos da imprensa alternativa, como Allan dos Santos, vivem hoje em exílio, impedidos de exercer seu ofício no Brasil sob risco de prisão. Mais recentemente, a crise diplomática entre Brasil e Espanha evidenciou o alcance internacional dessa perseguição. O jornalista Oswaldo Eustáquio, exilado em solo espanhol, teve sua extradição negada pelo governo da Espanha, após solicitação do STF brasileiro — um episódio que gerou constrangimento internacional e deixou evidente o teor político da perseguição movida contra vozes dissidentes.
O caso também acendeu alertas quanto ao respeito a tratados internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do qual o Brasil é signatário, que em seu Artigo 19 garante o direito à liberdade de expressão, bem como à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que em seu Artigo 13 também assegura esse direito fundamental. Enquanto isso, a grande mídia, amplamente financiada por verbas públicas do governo federal, adota uma postura conivente, quando não abertamente alinhada ao Palácio do Planalto. A pluralidade de vozes foi substituída por uma narrativa única, que ignora ou minimiza os abusos cometidos em nome da “democracia”.
Outro aspecto preocupante é o esforço articulado entre o Executivo e o Judiciário para restringir e controlar o uso das redes sociais. A liberdade digital, uma das últimas fronteiras da expressão livre, também está sob cerco. Propostas de regulação, como o Projeto de Lei das Fake News, têm sido usadas como pretexto para aumentar a vigilância e o poder de censura estatal sobre plataformas como X (antigo Twitter), YouTube e WhatsApp. Lideranças governistas, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, têm defendido abertamente medidas que visam enquadrar judicialmente usuários, páginas e influenciadores que se manifestam contra o governo, rotulando críticas legítimas como “desinformação”. A tentativa de silenciar a população através do controle do ambiente digital representa um retrocesso grave no direito à livre expressão garantido pela Constituição.
A narrativa do suposto golpe de Estado, criada logo após os atos de 8 de janeiro de 2023, também tem servido como justificativa para intensificar o cerco contra adversários políticos. A repressão não se limitou aos supostos organizadores ou lideranças: ela alcançou também cidadãos comuns, que exerciam seu direito constitucional de manifestação pacífica nas ruas. Milhares de pessoas foram presas, muitas sem direito à ampla defesa e o devido processo penal, bens foram confiscados, contas bancárias bloqueadas, perfis desmonetizados e reputações destruídas. Penas duríssimas estão sendo aplicadas, em evidente desproporcionalidade se comparadas à leniência com que o mesmo STF trata casos envolvendo traficantes, criminosos perigosos e integrantes do crime organizado. Tudo isso sob o olhar complacente de um Judiciário cada vez mais politizado. A investigação desses atos foi parcial e rasa e deixou muitas dúvidas pois as filmagens do circuito de segurança dos prédios públicos foram extraviadas.
A liberdade de expressão no Brasil está sob ataque, e não se trata de alarmismo. Estamos diante de um processo crescente de criminalização do pensamento divergente, onde criticar o sistema, fazer humor, escrever uma reportagem ou mesmo opinar nas redes sociais pode se tornar motivo de punição. A Constituição Federal de 1988, outrora tida como um marco da redemocratização, vem sendo reinterpretada à luz dos interesses políticos do momento, e os direitos civis fundamentais estão sendo corroídos dia após dia. Vale lembrar que a própria Constituição, em seu Artigo 5º, incisos IV e IX, assegura a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, sendo vedada qualquer forma de censura prévia. Já o Artigo 220 reforça a liberdade de imprensa, vedando expressamente a interferência estatal sobre a produção jornalística e artística.
A Voz do Povo é a Última Trincheira
O papel do cidadão neste momento é de extrema importância. É preciso vigilância, é preciso coragem. A democracia não se sustenta sem liberdade de expressão, e toda tentativa de silenciamento deve ser enfrentada com firmeza. Que este texto seja mais do que um desabafo — que seja um chamado à reflexão e à resistência pacífica em defesa dos valores que realmente importam.
Apesar do cenário sombrio, há sinais de esperança que vêm do hemisfério norte. Nos Estados Unidos, o retorno de Donald Trump ao cenário político reacendeu o debate sobre a liberdade de expressão e o combate à censura. Plataformas digitais que antes se alinhavam com políticas de checagem ideológica e repressão de conteúdo passaram a rever suas diretrizes, abrindo espaço novamente para o contraditório e o pluralismo de ideias. Esse movimento, ainda tímido, aponta para uma possível reação global contra o autoritarismo disfarçado de regulação. É um sinal de que a maré pode, sim, virar — e de que o Brasil ainda pode reencontrar o caminho da liberdade plena.
O Farol, como sempre, acende a luz para o que muitos preferem manter nas sombras. É o momento de olharmos com mais atenção para o que está acontecendo diante dos nossos olhos e não aceitarmos calados a construção de uma nova forma de autoritarismo, travestida de legalidade e protegida pelo silêncio cúmplice de quem deveria ser o primeiro a gritar.
Liberdade de expressão não é um item de luxo apensado à Constituição. É um direito fundamental e inalienável. E mais do que nunca, precisa ser defendido.